RIP KID VINIL

Acervo ROCK

 

Não foi por obra do acaso que Antonio Carlos Senefonte ganhou, do produtor fonográfico Pena Schmidt, a alcunha de Kid Vinil. Por trás de tudo o que ele fez em fez em seus 60 anos de vida — como cantor do grupo Magazine, radialista, DJ, apresentador de TV, VJ da MTV, escritor e crítico musical — estava a paixão pelas bolachas de plástico com música incrustada em seus microssulcos. No trajeto que o levou do primeiro disco da sua coleção — o compacto duplo “Magical Mystery Tour”, dos Beatles, que comprou no início da adolescência — aos cerca de 20 mil itens, entre compactos, LPs e CDs, que entulham os três quartos de seu apartamento no bairro paulistano do Cambuci, desenrolou-se a história de um dos maiores divulgadores e mais empolgados defensores da cultura rock no Brasil, que agora é contada em “Kid Vinil: um herói do Brasil” (Edições Ideal), uma “biografia autorizada” escrita pelo jornalista Ricardo Gozzi e pelo guitarrista e produtor musical Duca Belintani.

Quanto mais velho, mais louco vou ficando! — comenta Kid, em relação ao estado atual de sua mais antiga obsessão. — Ainda sou um consumidor voraz de discos, embora tenha dado uma segurada no ano passado. O vinil é caro, mas não por culpa de quem fabrica. É porque ele é mesmo uma coisa artesanal. Agora mesmo vou morrer em 30 libras numa reedição do “Physical grafitti”, do Led Zeppelin…

Foi um longo caminho para o garoto, que veio ao mundo em “algum momento do primeiro trimestre de 1955” (pai e mãe, por mais incrível que pareça, divergiam sobre sua data de nascimento) em uma colônia agrícola em Cedral, pequena cidade do interior de São Paulo, até o primeiro emprego na gravadora Continental. Kid Vinil foi coroinha, office boy (como o personagem da música que o consagraria com o Magazine, “Sou boy”), DJ de bailinhos de fundo de quintal e vocalista de uma banda de rock, o Ponte Aérea, até que apareceu a chance de ingressar na empresa dos seus sonhos, em 1973, como auxiliar de departamento pessoal. Kid vivia no depósito da gravadora, fuçando as coleções de rock.

Lá, tinha todos os discos do Led Zeppelin e um exemplar de uma edição especial do “School’s out”, de Alice Copper, que vinha com uma calcinha e uma cartela de anticoncepcionais. Só consegui uma igual uns cinco anos atrás, em Nova York. Mas sem os anticoncepcionais — diz.

A virada de sua história se deu quando ele fez o cadastro de funcionário de Vitor Martins, letrista dos maiores sucessos de Ivan Lins, que ia assumir a gerência da editora musical da Continental. Depois de uma tietagem básica, Kid pôde expor todo o seu conhecimento musical a Vitor, que ficou impressionado e convenceu os donos da gravadora a deixá-lo trabalhar diretamente com música.

— Ele foi o cara que me deu o pontapé inicial, foi um pai para a minha carreira. E eu tinha uma admiração muito grande por ele, que era um grande letrista em uma época muito difícil, que foi a melhor fase do Ivan — diz Kid, que até hoje mantém estreito contato com Vitor. — Lancei meu DVD independente, com sucessos do Magazine, pelo selo dele, o Galeão. O Vitor me ajuda muito também com a questão dos direitos autorais, que ele conhece como poucos.

Na sua nova fase na Continental, começaram as viagens de Kid para o exterior. Em Londres, onde foi parar em 1981 a fim de coletar repertório para uma coletânea de punk e new wave, visitou gravadoras e recolheu todos os discos de amostra que pôde.

— Londres era a maior loja de doces do mundo! — brinca Kid, que anos antes fora testemunha do primeiro show punk do Brasil, em São Paulo, e que, com alguns funcionários da Continental, criou a banda punk Verminose, esnobada pela própria gravadora.

Foi necessário que o rock brasileiro bem-humorado virasse uma realidade comercial a partir da Blitz e que o Verminose mudasse o nome para Magazine para que a gravadora Warner, onde estava Pena Schmidt, apostasse na banda — um sucesso desde que gravou “Sou boy”, composição do office boy do advogado de Tico Terpins, vocalista do Joelho de Porco. Depois, com os estouros de “Tic-tic nervoso” e “Comeu” (de Caetano Veloso, que gravou para ser abertura da novela “A gata comeu”), o Magazine viveu dias de beatlemania pelo interior do Brasil. Certa vez, em Santarém (PA), uma fã entrou no hotel quebrando tudo, enlouquecida, porque queria “o galego” — ou seja, Kid.

— Foi uma cena de filme, os seguranças do hotel tiveram que tirá-la de lá. Se ela me pegasse, me matava na cama! — lembra. — E olha que eu nunca fui galã… Imagina se fosse com o Paulo Ricardo!


“TRAGÉDIA SUFOCOU O HUMOR NO ROCK”

A bonança durou só até o início dos anos 1990, quando a música no país começou a passar por outras metamorfoses.

A minha impressão é que a tragédia dos Mamonas Assassinas sufocou o bom humor no rock brasileiro — acredita Kid Vinil, hoje sem ilusões — Nunca fomos, nem seremos, o país do rock. A gente teve o nosso momento nos anos 1980 e foi ótimo, mas não deu para virar a mesa depois.

Há mais de dez anos, Kid tem participado de festas temáticas dos 80 — um filão que ele acredita ser “inesgotável”.

— E é bom pra mim. Enquanto tiver essas festas, eu tenho trabalho — conta o cantor que, eventualmente, também aceita trabalhos como DJ, tocando o rock de outros tempos. — Os garotos me pedem “Psycho killer” (dos Talking Heads) com o entusiasmo de quem conheceu a música ontem. Aquela era que se anunciava descartável até que não foi tão passageira.

No ano passado, em meio a uma atrapalhada volta à TV (no reality show “Aprendiz celebridades”, de Roberto Justus, onde foi eliminado depois de poucas semanas), o cantor lançou um compacto — em vinil — do seu Kid Vinil Xperience, com as músicas “Beatriz” e “Música panfletária”. Uma alegria para esse roqueiro que até compra CD, mas que não gosta de download (o legal, e muito menos o ilegal) e acha o streaming apenas uma forma interessante para conhecer as novas bandas, que ele continua a perseguir, apesar de o entusiasmo não ser mais o mesmo de antes.

— Não há nada de espetacular nelas, mas tem um certo sangue novo que me atrai — diz ele, aparentemente pouco preocupado com o que o futuro possa reservar para um senhor de 60 anos. — Nunca me agarrei a nada num nível espiritual, sou muito material. E não tenho mais aquela vida desregrada, de bebida, que tinha até os 40 anos. Meu lema é: deixa acontecer.
Kid Vinil morreu na tarde desta sexta-feira (19/05/2017) em São Paulo, depois de passar mais de um mês internado. Ele passou mal depois de um show em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, e foi levado a um centro médico daquela cidade.

Depois, foi transferido de helicóptero para o Hospital da Luz, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Em seguida, foi para o Hospital TotalCor, onde morreu. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa do TotalCor.

Kid Vinil era diabético e sofreu uma parada cardíaca no dia 16 de abril. Ele chegou a ser colocado em coma induzido.

Antes de passar mal, Kid Vinil participava de um projeto com outros cantores dos anos 1980, como Kiko Zambianchi e Ritchie, em um clube de Conselheiro Lafaiete. Nos últimos dias, amigos afirmaram nas redes sociais que o quadro do cantor tinha se agravado e pediram orações por sua recuperação.

Discografia

Como membro do Magazine:

  • Compacto Simples: Soy Boy/Kid Vinil (1983, WEA/Elektra)
  • LP: Magazine (1983, WEA/Elektra)
  • Compacto Simples: Adivinhão/Casa da Mãe (1983,WEA/Elektra)
  • Compacto Simples: Tic Tic Nervoso/Atentado ao Pudor (1984, WEA/Elektra)
  • Compacto Simples: Glub Glub no Clube/Sapatos Azuis (1985, WEA/Elektra)
  • Compacto Simples: Comeu/Crucial (1985, WEA/Elektra)

Como membro do Kid Vinil e Os Heróis Do Brasil:

  • LP: Kid Vinil e os Heróis do Brasil (1986, gravadora 3M)

Disco solo:

  • LP: Kid Vinil (1989, RGE)

Como membro do Verminose:

  • LP: Xu-Pa-Ki (1995, independente)

Como membro do Magazine:

  • CD: Na Honestidade (2002, Trama)

Como membro do Kid Vinil Xperience:

  • CD: Time Was (2010, Kid Vinil Records)
  • DVD: Vinil Ao Vivo (2013, Galeão Discos)
  • EP: Kid Vinil Xperience (2014)

Bandas favoritas do Kid Vinil

R.E.M. – Stand

 

Devo – [I Can’t Get No] Satisfaction

https://youtu.be/WdkwCWbVJ8Y

The Cars – You Might Think

Blondie – Rapture

Father John Misty – Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins)

Blur – Coffee And TV

Kid vinil com a Magazine

 

Magazine – Sou Boy ( kid Vinil ) Video Clip Original

Kid Vinil e Magazine no Jô Soares ( SBT) Tic Tic Nervoso/Sou Boy

TIC-TIC NERVOSO(MAGAZINE).

Banda Magazine – “Comeu” (Fantástico 1985)

Magazine Adivinhão

Banda Magazine 1983 +bonus

Kid Vinil – O Heroi do Brasil

Ate Quando Esperar – Mingau e Kid Vinil

Kid Vinil escolhe 5 hits dos anos 80

Ramones no Brasil – Kid Vinil entrevista Joey Ramone

https://youtu.be/6z2YLtUo4N0

 

Até semana que vem!

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